domingo, 25 de junho de 2017

"A expressão “cuidado de si” indica o conjunto das experiências e das técnicas que o sujeito elabora e que o ajuda a transformar-se a si mesmo"

O tema desse blog é "a ética do cuidado de si”.Onde se analisa a proximidade da filosofia tardia de Kant com a ética do cuidado de si de Foucault, para tanto, o filósofo faz uma análise histórica do conceito de cuidado de si, iniciando pela Antiguidade que entendia o cuidar de si como uma prática fundamental para o domínio de si mesmo e como condição transformadora para ascender à verdade. O imperativo socrático "conhece-te a ti mesmo” era um exercício ético ordenado ao ideal de criar uma relação de correção entre ações e pensamentos e atuar politicamente para o bem da cidade, tornar-se virtuoso, viver bem para si e com o outro e, consequentemente, viver bem em comunidade.
Tanto na Antiguidade, quanto na Roma do Império, com os estoicos Epiteto, Sêneca e Marco Aurélio, a ética do cuidar de si contemplava as várias dimensões da vida tais como: o amor, o sexo, o corpo, comportando um conjunto de atitudes observáveis em si e nas relações com a família, os amigos. O cuidado com o corpo estava incluído como parte importante do modo de vida.   Dietas e exercícios físicos eram recomendados e deviam ser adequados à idade e realizados em horários e lugares de acordo com a época do ano, bem como a atividade sexual que era orientada de acordo com a observância do estado do corpo e do ambiente externo  
De que vale preparar teu corpo se não conheces a te mesmo!

Assim, o cuidado de si dava destaque para a relação consigo mesmo, ao autoconhecimento e as ações que possibilitavam a transformação do seu próprio modo de ser, não havia uma preocupação com as deficiências do outro, mas antes, conhecer as próprias fraquezas, virtudes e vícios. Essas reflexões visavam a uma conduta moral e não a códigos morais.


Preocupa-se com você mesmo, não te preocupes com a deficiência dos outros, você com certeza tem mais a perder!
Segundo Foucault, na modernidade houve uma descontinuidade desse pensamento sobre o sujeito, que em Descartes passa a ser um dado puro e simples, uma substancia, um sujeito pronto e por isso não precisa ser constituído.
No pensamento de Kant o que o homem pode e deve fazer de si mesmo: esse esclarece a necessidade de exercícios que serviriam para tornar “subjetivamente práticos os conceitos morais”. O primeiro reporta-se ao “hábito” de julgar segundo a moralidade, uma tentativa de tornar a lei moral uma constante em nossas ações e julgamentos, o que como aponta Kant, passa primeiro por questionar a si mesmo se as ações praticadas são “conformes à lei” para num segundo estágio questionar se tais ações são praticadas também “em virtude da lei”. O segundo exercício diz respeito à cultura da pureza moral que acarreta numa maior receptividade à lei moral ou pelo menos ao sentimento moral (não se assemelham ao que Foucault chama de práticas de si)
Na “Doutrina das virtudes”, Kant procura mostrar como a virtude pode ser efetivada. Não pode se dar por meros conceitos, necessita de cultivo e exercícios, ou seja, de uma ascese; ao mesmo tempo ela pode ser ensinada, e, uma vez que não é inata, à doutrina do método da ética deve pertencer também uma didática.
Como ser limitado e definido como quer Descartes, se a todo tempo cultivamos em nós a alegria, a redescoberta da vida!
Kant especifica que o objetivo dos exercícios morais para a virtude é a constituição de ânimo a um só tempo firme e alegre.  Segundo ele, os sacrifícios e a sobriedade ao princípio estoico “sustineet abstine”, no homem virtuoso, devem estar vinculados não a um embotamento do ânimo, mas a uma certa alegria , a uma certa satisfação com a própria  condição moral. Ao permitir que o homem suporte as privações e se acostume a viver sem os prazeres supérfluos ele se submete a um tipo de “regime” para se manter moralmente sadio. Só que saúde é um bem-estar que não pode ser sentido e deve-se acrescentar a ela, que propicia um agradável fruir da vida, mesmo que seja somente moral, e isto é o coração jubiloso (Epicuro). Na “Doutrina das Virtudes” Kant se refere a um cultivo ético do homem em analogia com os cuidados com o corpo. Chega a falar de uma “dietética moral”. A dietética é a arte de cuidar do corpo em seus vários aspectos, tendo como um de seus fins a saúde.
Kant define a dietética em “O conflito das Faculdades” como uma arte preventiva, ou mais precisamente como a “arte de impedir enfermidades”, tendo como contraparte a terapêutica que seria a arte de curar enfermidades. A dietética também pode ser pensada como medicina filosófica, consistindo numa série de prescrições de prudência, que não se reportam diretamente á ética, isto é, certos princípios acerca do uso do corpo, do melhor aproveitamento do sono, de certos cuidados na velhice, de exercícios físicos, e até do aproveitamento da filosofia ou de outras recreações como estímulo das forças vitais. Esta medicina filosófica, que tem como princípio a divisa estoica já citada, é definida por Kant como o poder da razão no homem, ao dominar as suas impressões sensíveis por um princípio que ele a si próprio se faculta, de determinar o seu modo de vida; opondo-se, deste modo, à medicina empírica e mecânica, que para dominar as sensações busca ajuda fora de si, “em meios corporais (da farmácia ou da cirurgia)”.
Para Foucault, a ética do cuidado de si é uma proposta que coloca o sujeito no centro das reflexões, porém, livre dos atributos apresentados pelo pensamento moderno que disciplina e determina uma forma de moral voltada para códigos morais. A ética do cuidado de si, proposta por Foucault, chama o indivíduo a se compor como sujeito moral, para a reflexão, o conhecimento e a transformação em si e para si. O objetivo é a liberdade, uma relação consigo mesmo que não permite que suas paixões dominem o seu ser.
Em Foucault,  o  cuidado de si  busca a construção do sujeito e que o seu modo de ser seja definido com autonomia, é uma experiência  do sujeito com a sua própria verdade,  é  constituir a si  mesmo como sujeito de conhecimento, e  principalmente como sujeito da ação ética. 
Conclusão: 

 
A partir do pensamento de Foucault podemos afirmar que o homem só vive quando encontra sua liberdade.


A possibilidade de auto formação ou auto modificação do homem, a partir de práticas de cultivo de si mesmo, que são o cerne da ética ou da antropologia moral do pensamento tardio de Kant, são também o cerne da concepção da ética do cuidado de si foucaultiana. A ética de Foucault procura não ser apenas uma disciplina, uma proibição do desejo, mas também é o cuidado de si.
A ética do “cuidado de si”, que Foucault  propõe, nada mais seria do que um conjunto de valores, regras e preceitos, impulsionados por nossa vontade e desejo, que nos leva a um padrão ético que nos remete a nós mesmo, sem necessariamente nos isolarmos do mundo, conhecemos a nós mesmos para depois agirmos no mundo.
Esse valorar e cuidar de si mesmo, vale tanto para nosso corpo quanto pra nossa alma, subjetividade, que nos leva a romper com a estatização das  normas e nos voltarmos para satisfazer os desejos de nossa vida. Modelamos a vida de acordo com a própria vontade, escolhas, e isso nos liberta a nos refazermos a todo o momento, fugindo das imposições sociais, que nos remetem ao vir a ser aquilo que a sociedade quer. 

Um comentário:

"A expressão “cuidado de si” indica o conjunto das experiências e das técnicas que o sujeito elabora e que o ajuda a transformar-se a si mesmo"

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